do not cross police line
tenho pensado na memória. e tenho escrito sobre a memória. somos feitos dessa matéria difícil de descrever, a guardar o que foi melhor e a tentar esconder no seu fundo o que foi pior. porque tudo nos habita, até o esquecimento. somos feitos das coisas que vivemos, daquilo que nos disseram ou que dissemos (ou que não nos disseram e que não dissemos), de gestos, muitos gestos, nossos e das "nossas" pessoas em nós. somos feitos de momentos pequeninos aos quais se calhar não demos nenhuma importância, e que um dia, de repente, percebemos que são aquilo que "cola" uns aos outros todos os outros momentos. acabar um almoço de domingo à mesa, em família, a conversar, a rir, a falar de nada importante, parar um bocadinho para ouvir com toda a atenção do mundo a história que o nosso filho nos quer contar, tomar o café do costume com os amigos do costume, ficar a escrever enquanto atrás da ponte cai perfeito aquele pôr do sol conciliador.
esta correia de guitarra já fez comigo muitos espectáculos. muitas gravações de espectáculos. foi-me oferecida por dois grandes amigos, a Sofia Ramada Curto e o Pedro Granger, que a compraram em Nova York para mim. sempre que a uso na guitarra lembro-me disto. lembro-me que eles a compraram para mim. lembro-me que eles são meus amigos e que gosto muito deles, e que não nos vemos há muito tempo, e que tenho saudades. ter saudades é entrar dentro dos lugares da memória. entrar lá dentro à procura do abraço, do gesto, do sorriso, do momento que nos faz sentir essa saudade e ( a saudade é isto ) ter vontade de lá voltar.
usei a correia de novo na gravação do "lado a lado" como tenho usado sempre, porque ela (para além de ser mesmo o máximo:) ) tem este sentido especial para mim: faz-me voltar ao abraço, ao gesto, ao sorriso do momento em que me veio parar às mãos.